
Desde o ano de 2006, o Brasil comemora, em 30 de agosto, o Dia Nacional sobre a Esclerose Múltipla, doença que acomete o sistema nervoso central: encéfalo e medula espinhal. A data foi o resultado do esforço da Associação Brasileira de Esclerose Múltipla (ABEM) para dar mais visibilidade à doença e seus impactos. No Brasil, estima-se que há cerca de 50 mil acometidos, sendo a segunda causa de incapacidade neurológica em adultos jovens.
A médica neurologista e professora de Neurologia da Univates, Marina Olmi (32), explica que a esclerose múltipla é uma doença autoimune, onde as próprias células de defesa do organismo atacam erroneamente o revestimento das células nervosas (bainha de mielina), dificultando a transmissão de informações entre o sistema nervoso central, espaço entre o encéfalo e a medula e o restante do corpo. Os sintomas iniciam entre os 20 e 40 anos, acometendo três vezes mais as mulheres. “A doença tem maior incidência nas mulheres, possivelmente por questões hormonais”, explica.
Os sintomas variam conforme o local de acometimento no sistema nervoso central e do grau de comprometimento dos neurônios. “Podem aparecer como perda de força em algum membro, alterações de sensibilidade, desequilíbrio, visão turva, incontinência urinária, falta de controle para defecar e engasgos. Ainda, ao longo do tempo, alterações na atenção e memória, cansaço e sintomas depressivos e ansiosos podem ocorrer”, comenta Marina.
Além disso, o início abrupto de algum sintoma neurológico com duração de mais de 24 horas, associado à alteração característica na ressonância magnética (placas desmielinizantes), são chamados de surtos. “O mais frequente na abertura do quadro de esclerose múltipla é a neurite óptica, que se caracteriza pela inflamação do nervo óptico, responsável pela visão. Nestes casos, o paciente fica com a visão turva em um dos olhos de maneira súbita”, relata.
Marina observa que o termo “esclerose” nada tem a ver com demência, mas faz alusão às várias áreas de cicatrização (esclerose) resultantes da destruição da bainha de mielina. “Trata-se de uma capa de tecido adiposo, que protege suas células nervosas. Se a pessoa tem esclerose múltipla, a bainha de mielina é danificada. Isso significa que os nervos não são capazes de enviar e receber mensagens como deveriam”, define.
Embora seja de caráter crônico, ou seja, sem cura, há medicamentos disponibilizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) visando frear o avanço da doença. “Os medicamentos são divididos em alta, média e alta potência. A escolha deve ser individualizada, levando em consideração a gravidade da doença já instalada e o melhor perfil de segurança para o paciente“, diz a médica.
Ela esclarece, que não se sabe exatamente o que causa a esclerose múltipla, mas há indícios de estar ligada a questões genéticas e ambientais. “Sabe-se que países próximos ao Equador estão mais expostos à luz solar e apresentam menor ocorrência. Por isso, acredita-se que a vitamina D desempenha um papel importante na prevenção da doença. A infecção pelo vírus Epstein-Barr, em algum momento da vida, também é um possível fator. No entanto, não temos informações contundentes de prevenção, a não ser manter bons hábitos”, relata.
Segundo Marina, uma rotina saudável traz benefícios ao paciente. “Praticar exercício físico, fazer fisioterapia, fonoterapia, psicoterapia, cessar o tabagismo e manter uma alimentação adequada são alguns exemplos”, finaliza.
William convive com a doença há cinco anos
William Borges da Costa (32) é paciente de Marina há pouco mais de 1 ano. Ele convive com a esclerose múltipla desde os 27 anos, quando em 2018 trabalhava na recepção de um hotel. “Eu tinha recém me formado na faculdade e estava trabalhando. Minha vida estava a mil. Um dia eu acordei com a perna direita formigando. Procurei um médico, fiz um eletroneuromiografia, mas nada apareceu. Fiquei assim por algumas semanas e passou, mas depois o formigamento voltou, nas duas pernas, e a minha visão ficou dupla (diplopia)”, conta.
A rotina do jovem começou a ficar prejudica devido à visão e ao formigamento. “Procurei um clínico geral, que me encaminhou a um oftalmologista. Ele me receitou um remédio e disse que a diplopia iria melhorar em uma semana, mas isso não ocorreu e o formigamento nas pernas aumentou. Eu só conseguia andar com o auxílio de outra pessoa. A sensação de não saber o que estava acontecendo era horrível e os sintomas aumentavam a cada dia”.
Com o aumento dos sintomas, Costa procurou um neurologista. “Fiz uma ressonância magnética e fui diagnosticado com a primeira forma de esclerose múltipla, chamada surto-remissão ou remitente-recorrente. Fiz o tratamento, melhorei e não tive sequelas”, conta, ele que hoje recebe medicação via SUS.
Com o auxílio dos remédios e acompanhamento médico, Costa pode retornar ao trabalho e ter uma rotina normal. “A consulta e o exame me ajudaram no diagnóstico da doença, evitando sequelas. Por isso, a importância de iniciar o tratamento cedo. Embora hoje estar bem, novas lesões no meu cérebro estão surgindo, o que causa um pouco de medo. Espero que, com a troca da medicação, que deverá ocorrer futuramente, eu possa continuar tendo uma boa qualidade de vida”, finaliza.
O que pode e não pode fazer
Jornal Opinião (J.O.) – Pode engravidar?
Marina – Sim. No entanto, a gravidez deve ser bem planejada, pois alguns medicamentos usados no tratamento não são indicados durante a gestação. Tendo isso em vista, é importante combinar com seu neurologista ainda antes da concepção para que haja, se necessário, a troca do medicamento atual para algum compatível com a gravidez.
J.O. – Pode se aposentar?
Marina – Sim. E lembrando que, caso não tratada adequadamente, é causa de incapacidade física e laboral em adultos jovens. Pode-se solicitar auxílio-doença e, em casos mais avançados, a aposentadoria por invalidez.
J.O. – Pode doar sangue?
Marina – Não. Por ser uma doença de mecanismo ainda não muito compreendido, os hemocentros não permitem a doação.
J.O. – Ingerir bebida alcoólica?
Marina – Esta é sempre uma questão a ser debatida com o neurologista assistente, já que a combinação com alguns medicamentos utilizados pode afetar e incomodar o fígado.
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Texto - Jornalista, Carina Marques/Jornal Opinião
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