Crianças indígenas morrem mais de câncer do que as brancas, negras e amarelas

A taxa de mortalidade de crianças indígenas por câncer no Brasil é alarmante, chegando a ser quase o dobro da média nacional, que atualmente gira em torno de 2.500 óbitos anuais. Esses dados são fornecidos pela plataforma Panorama de Oncologia Pediátrica, que compila informações do Registro Hospitalar de Câncer, do Registro de Câncer de Base Populacional, do Sistema de Mortalidade do DataSUS, além do Ministério da Saúde e do Instituto Nacional de Câncer (Inca).
Uma análise dos registros da rede pública de saúde do país revela que crianças e adolescentes indígenas apresentam uma taxa de mortalidade por câncer significativamente maior em comparação a crianças brancas, negras e amarelas. O câncer infanto-juvenil, com cerca de 8 mil novos casos diagnosticados anualmente, é atualmente a principal causa de morte na faixa etária entre 1 e 19 anos.
De acordo com o último Censo populacional, aproximadamente 45% da população indígena no Brasil reside na Região Norte, enquanto cerca de 31% vive no Nordeste. Embora essas regiões não apresentem o maior número de diagnósticos, são as que registram as mais altas taxas de mortalidade por câncer entre crianças indígenas. Esse dado reflete uma série de desafios enfrentados por esses povos no acesso à saúde e ao tratamento adequado.
A desigualdade na distribuição de hospitais especializados em oncologia pediátrica é um fator determinante para essa situação. A maioria dessas unidades está localizada na Região Sudeste, enquanto as Regiões Norte e Nordeste possuem pouquíssimos centros de referência. Essa realidade impõe grandes desafios às famílias indígenas, que frequentemente precisam se deslocar para grandes centros urbanos em busca de tratamento adequado. A dificuldade de acesso ao diagnóstico precoce e ao tratamento especializado resulta em atrasos significativos, reduzindo drasticamente as chances de sobrevida desses pacientes.
Além da falta de infraestrutura hospitalar, a escassez de profissionais especializados no Norte e Nordeste agrava ainda mais o cenário. Muitos indígenas vivem em situação de vulnerabilidade socioeconômica, sem condições financeiras para custear viagens e estadias prolongadas em outras regiões, o que frequentemente leva à interrupção do tratamento.
Outro ponto crítico levantado por especialistas é a necessidade de uma abordagem diferenciada no tratamento de crianças indígenas. Estudos indicam que, devido a fatores genéticos, esses pacientes metabolizam medicamentos de maneira distinta, tornando-se até 28 vezes mais suscetíveis à intoxicação e ao desenvolvimento de infecções graves e severas. Isso reforça a necessidade de políticas públicas que garantam um atendimento especializado e culturalmente adequado a essas comunidades.
Diante desse cenário preocupante, especialistas e organizações de saúde ressaltam a importância de ampliar o acesso ao diagnóstico precoce, fortalecer a rede de atendimento oncológico nas regiões mais afetadas e garantir suporte socioeconômico às famílias indígenas. A redução da mortalidade infantil por câncer entre populações vulneráveis passa por investimentos estruturais e políticas públicas inclusivas, que assegurem o direito universal à saúde de maneira equitativa.
TEXTO – José Raimundo Tramontini
FOTO - Rovena Rosa/Agência Brasil